Na linha de ensinamentos trazidos por pessoas de nosso convívio comum, encontrei na lembrança D. Emília. Sua residencia fora, na década de setenta, a sede do Grupo Espirita Ismael Gomes Braga, fundado por meu pai, meu irmão Ronaldo e alguns amigos. Os parentes de Emília foram desencarnando todos. Ficou apenas ela. O centro espirita mudou-se para sede próparia e a senhora ficou sozinha na casa. Tornei-me um filho para ela. Na sua solidão, afeiçoou-se a mim fortemente. A idade avançada e a limitação da visão causava-lhe grande sofrimento. Apesasr de todas as agruras, mantinha a confiança em Deus e ainda brincava com a própria situação, dizendo: " Meu filho, será que Deus esqueceu de mim? Vou virar serpente daqui à pouco". Ríamos bastante daquele bom humor. Havia dias, porem, que a amargura a tomava e ela chorava muito.
Bom, nessa saga de D. Emília, outra coisa que destaco em sua vida de resignação e heroísmo, era o fato de todas as noites, as 18 horas, ela se postava na janela de sua cozinha e orava pelo que ela chamava, em sua maneira peculiar de se expressar, de malfazejos. Elevava preces para assaltantes e assassinos, bandidos e pervertidos de toda a natureza. Quando todos nós oramos pelas vítimas dos infortúnios, ela lembrava de pedir pelos que erram. Lembramos de ter compaixão das vítimas de assaltos e todo tipo de violência ( o que devemos fazer, claro) mas aquele coração de ouro se compadecia dos que tornavam-se instrumentos do mal. Talvez por isso sua residencia jamais fora molestada por qualquer assaltante, afinal, naquele período, o Cabo de Santo Agostinho já enfrentava problemas dessa natureza.
Nesses gestos simples e silenciosos forjam-se anjos. Como aquilatar a grandeza do coração de D. Emília, minha mãe Emília ? E como não recordar com emoção as lições que ela me dera e que só agora começo a compreender melhor ? Sinceramente, muito me auxilia a enxergar a própria pequenez moral. Não escrevo isso para fazer entender que expresso uma humildade que não tenho. É o mais puro sentimento de alcançar a medida da minha distância em relação ao que aquele coração havia adquirido em amor. Ah, gestos simples! Não precisa de ações que impactem a humanidade. As grandes almas nem sabem que são grandes e não tem a dimensão de seus largos gestos, envoltos nas roupagens mais despojadas. D. Emília cresce dentro de mim, a medida em que os anos passam e a maturidade me deixa ver coisas que a juventude não permitia. E sinto uma imensa saudade de seu cafezinho feito numa chaleira antiga e de seus sorrisos largos, seus olhos lacrimejando sempre, sua face sulcada pelos anos de provação e heroísmo. Sua voz, doce e cansada, me dizendo: "meu filho de minha alma..." Que saudades de voce, mãe Emília. Obrigado por tudo . Sonho, agora, com o nosso reencontro.
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