E O "PISTOLEIRO" CHOROU

Meu pai foi um homem muito querido aqui na cidade do Cabo de Santo Agostinho. Como escrivão, registrou e casou tres gerações. Hoje, conversando sobre ele com um dos meus irmãos, este me recordou uma cena das mais marcantes no velório do meu pai, no ano de 1988. Muita gente fez fila para passar em frente ao seu caixão. Pela madrugada, aproximou-se do caixão um homem muito temido em nossa cidade. Diziam que era um frio pistoleiro, acostumado a matar com certeiros tiros suas vítimas. Vestido como de costume, uma grossa capa lhe caindo nos ombros, chapeu na cabeça, muito parecido com pistoleiros do Farwest americano. Passos largos e pesados, chamou a atenção de todos que velavam o corpo de meu pai. Era ele, o pistoleiro temido. A arma estava ao seu lado.

Este homem grandalhão, de fisionomia gélida, estacou ante o cadáver, apoiou-se à cabeceira do caixão e ficou a fitar o meu pai. Longos minutos de silêncio assustador. Foi aí que verificamos, comovidos, que uma furtiva lágrima deslizava pela face do "pistoleiro". Sim, ele chorava. Como grande parte da população da minha cidade. Em silêncio, ele enxugou discretamente a face e se retirou, sem falar com ninguem. Solitário e triste, se afastou.

Por que estou abordando isso neste blog?

Ah! o que sabemos das entranhas do ser humano. Como desvendar a alma de alguem reconhecido como um justiceiro? O frio matador era ali, ante a esfinge da morte, o antípoda do que se poderia esperar em um homem acostumado, como diziam, a conviver com a morte. Alem disso, temos tambem o exemplo de que, por mais comprometido ´seja o ser, é um filho de Deus, dotado de sentimentos, ainda que o mascare na maior parte do tempo. E, conforme a espiritualidade nos diz, fadado à conquista da angelitude, como qualquer um de nós.

Reflexionando na conversa com o meu irmão, me emocionei, recordando que até o "pistoleiro" chorou a morte de um homem de bem.